sábado, 31 de março de 2018

Réquiem

Requiem aeternam dona eis, Domine; et lux perpetua luceat eis.
Repouso eterno dá-lhes, Senhor, e que a luz perpétua os ilumine.

(Introitus - Requiem em ré menor, K. 626, Mozart)

Latim
Requiēs - descanso, repouso
f (genitivo requiētis); terceira declinação.

É um momento difícil para escrever. De vez em quando, creio eu, as pessoas que contam um pouco das suas vivências e de seus devaneios por meio das palavras sofrem, em maior ou menor grau, com o gosto amargo de ter inspiração nenhuma. E estou nessa fase, um tanto melancólica, empurrando os acontecimentos, sem excitação, tal qual uma andarilha a desfazer-se.

Posso citar muitas coisas que estou fazendo e isso pode parecer bem animador.

Estou...

... Redigindo um artigo para terminar minha Pós/MBA em Contabilidade Pública, trabalhando com Mapas Mentais no modo homework para um aplicativo de Educação Corporativa, indo ao pilates, planejando estudar para concursos públicos e fazer mais cursos de capacitação, voltando para a Auto-Escola e assistindo a Netflix no final de todas as noites.

Parece uma vida agitada e cheia de possibilidades, entretanto algo anda a atormentar-me, como uma dormência parcial. Sinto que vivo uma realidade indiferente, que nunca pertenceu-me. Assemelha-se a vestir a roupa de outro ser e que usurpei o seu lugar. As pessoas que esperam algo dela não fazem ideia de que eu não posso satisfazê-las.

Todos os dias escuto sentenças cruéis sobre uma criatura que não deveria ser do modo como é. Ela deveria existir para fazer-se ideal e assim suprir as expectativas daqueles que nunca enxergarão além das cercas dos seus lugares de origem.

Eu não desejava exatamente essa Pós de Contabilidade Pública, quero mesmo estudar História, Arqueologia, Literatura, Cinema, Música, participar de rodas de poesia com pessoas ávidas e instigantes e que almejam os prazeres das minúcias. Gostaria de tomar café e falar sobre os livros que contam as experiências reais de George Orwell. Meu trabalho com Mapas Mentais gera apenas 63% de um salário mínimo por mês e quando há demanda (depois de um tempo de aflição, acabei de verificar que já recebi pelo trabalho desse mês.). O pilates causa-me dor e a instrutora transparece uma falsidade sem precedentes. Estudar para concursos públicos é um fardo e a Auto-Escola, bem... É sempre um evento traumático.

Ontem soube que um colega do meu ex-curso de Física teve seu plano de estudos aprovado. Ele já está no curso desde 2008 (e nessa época faltava pouco para que eu me formasse em Ciências Contábeis na mesma instituição...). Só em uma cadeira, ele reprovou incontáveis vezes, sendo a última no semestre que passou. Ele ainda veio-me falar que sentia muito por mim e que pelo menos eu estava fazendo uma pós e estava na frente dos que ficaram. Fiquei em estado de cólera e se estivesse falando pessoalmente com o mesmo, teria cometido uma barbaridade. Só que o meu problema não o engloba. A minha raiva direciona-se aos professores e ao maldito e inútil colegiado (o que foi relatado minuciosamente em outro texto). Para mim, foi a morte de algo, uma grande ilusão embrulhada em papel de sonho, e, neste momento, passo pelo Requiem e não sei quando o rito terminará.

Eu sempre vivi numa solidão extrema, mesmo acompanhada por muitos. Tentei suprimi-la com amizades débeis e descartáveis e com relacionamentos odiosos e abusivos. Entretanto este estado recente é ainda mais obscuro, pois está nu, de pele ao vento, reluzindo como um farol que não deixa-me esquecer do meu desterro... Longe daqueles que completam-me.

Todos sumiram. Foram cuidar das suas vidas e dos assuntos e pessoas de seus interesses. Noto que enquanto estavam em uma situação frágil e distanciados dos olhos e toque dos que amavam, procuravam uma morfina para abrandar o deslocamento temporário. Assim saíam à procura da pessoa mais disponível. E como em toda revoada, ao atingirem suas metas, partiram para onde pertenciam, deixando os mortos e feridos para trás.

Pergunto-me como superar seis anos e alguns meses de apostas altas, de erros e desvarios. Indago-me como esquecer os rostos e as falas. Meu receio é que esta existência esteja falhando e eu não cumpra o propósito que foi-me designado. Sou uma pecadora imperdoável e meu carma pode-se estender além do infinito.

Acomete-me uma enjoativa enxaqueca e meu estômago padece há dias. Deus, mantenha-me em minha própria mente, pois longe dela sobrará de mim apenas poeira e escuridão.

terça-feira, 20 de março de 2018

Altered Carbon (Carbono Alterado) - Um pós Blade Runner ou um Doctor Who Cyberpunk? Uma visão da série por suas bases mais interessantes (e polêmicas)

Canal: Netflix
Meio: Streaming
Adaptação: Livro Altered Carbon/2002, Richard K. Morgan
Ano: 2018
Gênero: Cyberpunk
               Ficção Científica
               Thriller de Ação
               Drama Policial
               Romance Noir
Criada por: Laeta Kalogridis
Elenco: Lista completa aqui: Altered Carbon IMDb
Trilha Sonora por: Jeff Russo
Número de Temporadas: 1
Número de episódios: 10
Locações: Vancouver, British Columbia, Canadá.

Altered Carbon não é para família e nem para as grandes audiências. É um mundo para adultos, especialmente os fascinados por Blade Runner e toda a cultura do Cyberpunk.



O ano de 2018 chegou e trouxe a produção mais cara da NetFlix - Altered Carbon, série baseada no livro de mesmo nome (que é seguido por Broken Angels e Woken Furies) de Richard K. Morgan e criada por Laeta Kalogridis.

Assim que o livro saiu, Kalogridis adquiriu os direitos de adaptação com a intenção, primeiramente, de um longa metragem. Mas a complexidade da trama afastou os investimentos dos estúdios e, assim, lá foram-se longos 15 anos até que o projeto virasse realidade pelas mãos (e dinheiro) da Netflix, que a encomendando somente em 2016.

Passaram-se alguns bons dias até que eu assistisse a série. Não porque o enredo sugerisse algo desinteressante, pelo contrário, e sim porque a Netflix (não sei se só a versão em Português) tem o péssimo hábito de não fazer boas e instigantes sinopses, fugindo, muitas vezes, da essência do próprio trabalho, além de não dar o nome de todos os atores e, o pior, não coloca boas fotos promocionais. Só depois de ler a segunda sinopse e ver que o Joel Kinnaman era o principal que eu parti para o primeiro episódio.

A história gira em torno de Takeshi Kovacs (o original é interpretado por Will Yun Lee e a nova capa por Joel Kinnaman), um ex-soldado das forças especiais que fazia parte do projeto Envoy. Após uma missão fracassada, Kovacs foi para uma prisão digital. Ele foi libertado por Laurens Bancroft (James Purefoy), membro da elite dos Matusas. Bancroft está intrigado porque foi assassinado em sua própria casa e acredita piamente que não cometeu suicídio. A missão de Kovacs é achar o verdadeiro culpado.

Há, também, muitas subtramas e envolvimentos, destacando-se o círculo próximo que se formará em torno de Kovacs, com a a policial Kristin Ortega (Martha Higareda), Poe (Chris Conner) e Vernon Elliot (Ato Essandoh).

Mas Altered Carbon vai muito além. Seus melhores pontos residem nas bases sociais em que a narrativa central foi construída... Então, vamos entendê-las!

A partir de agora entra o selo de:




O mundo em Altered Carbon

A série passa-se 350 anos no futuro, no ano 2384...

(um adendo para as primeiras perguntas: Que futuro? Porque se for contar de 2018, somando-se esses 350 anos, daria o ano de 2368, um diferença de 16 anos. Ou estamos falando do futuro do ano de 2034 ou essa contagem no tempo tem que passar para 334 anos no futuro... Você escolhe!)

Então, nesse tempo, as memórias de uma pessoa, na sua forma mais pura, podem ser passadas para um dispositivo em forma de disco chamado cartucho cortical (isso mesmo, uma espécie de pendrive com o backup do nosso cérebro), que é implantado nas vértebras da parte de trás do pescoço, em um processo de codificação e armazenamento chamado Frente Digital Humana - FHD. Esse cartucho é colocado quando a pessoa é ainda criança, por volta de 1 ano de idade.

Quando há algum dano grave a essa constituição física, este cartucho pode ser colocado em um novo, digamos, receptáculo, chamado de capa, um ser clonado a partir do corpo original ou outros corpos que estiverem disponíveis. Também pode-se voltar ao corpo original, restaurado ou não. Tudo isso dependerá de quanto é possível pagar para ter a vida de volta. A capa é substituível, o cartucho não. E a não ser que tenha-se muitos backups espalhados por aí, uma vez que esse dispositivo tenha sido destruído, a morte é real.

Esta possibilidade só foi possível graças a uma tecnologia alienígena vinda de um povo chamado Elders e que já está extinto.

As diferenças de classes sociais 

As capas não são criadas de forma igual. Os ricos podem dispor de clones aparentemente infinitos de si mesmos, distribuidos por cofres trancados e altamente seguros em torno da galáxia. Assim surge-nos os Matusaspessoas poderosas que efetivamente tornam-se imortais.

Entretanto a maioria das pessoas não escolhe sua nova capa, devendo, ser quiser viver novamente, usar o que estiver disponível. Isso significa que pode-se ter uma criança colocada no corpo de uma pessoa idosa ou acabar em uma raça ou gênero diferente. 

Então, de onde vêm as capas dos pobres? 

Esta é até fácil de deduzir: daqueles ainda mais pobres que não podem pagar sequer para manter o corpo original. Porque se a capa sofreu um dano grave, esta pode também ser, dependendo da complexidade, restaurada. Se o antigo dono, representado por sua família, não puder pagar, então outra pessoa torna-se dona do seu corpo. E tem outras possibilidades...

O caso dos prisioneiros

Nesse universo, não há mais prisões como conhecemos hoje. Elas tornaram-se digitais e, sendo assim, os condenados têm os cartuchos removidos e seus antigos corpos são colocados a disposição. Se a família puder arcar com as despesas de manutenção até o cumprimento da pena, o detento terá seu corpo de volta, senão, haverá a permuta.

O caso da realidade virtual

Se o dinheiro não deu para manter a capa, então há a possibilidade de permanecer em uma Realidade Virtual, onde amigos e familiares poderão conectar-se para passar o tempo com a pessoa.

O caso dos corpos sintéticos

Por que não apenas colocar o cartucho em um corpo sintético ou um androide? Sim, é possível. Todavia é o meio menos usado. Imagine acordar em uma boneca ou boneco, mesmo que ele/ela seja uma cópia fiel da capa anterior? Muito esquisito será não poder comer, nem beber e nem sentir estímulos. Foi assim que o Serial Killer Charles Lee Ray ficou ao transferir-se para o boneco Chucky, só que ao invés de vudu, temos a tecnologia.

Eu não sou o dono do meu corpo?

A capa da primeira vida é, basicamente, um empréstimo. Se não puder pagar pela segunda vida no mesmo corpo, o governo vem e leva-o embora. É como comprar uma casa pelos bancos (considerando que as prestações da casa sejam infinitas). Pense que viver é o período que abrange o pagamento das parcelas. Parou de pagar (a morte), o banco vem e abre a possibilidade de renegociar (manter o corpo e voltar nele), se não tem mais meios de continuar o vínculo... Lá vai a casa para leilão.

E existem hospitais?

Sim. Como dizem todos os médicos, melhor prevenir do que remediar. Só que não há mais hospitais públicos ou privados, apenas um tipo de hospital onde quem tem dinheiro entra na frente, ganhando membros reforçados e tratamentos caros, enquanto, não importando a gravidade, os pobres podem morrer na fila de antedimento (o que já é real aqui e agora...). 


Reencarnação ou Ressuscitação?

A discussão em torno da Religião é um dos pontos mais fortes da série. Assim, aqueles que não querem viver para sempre, optam pelo bloqueio (com a codificação Neo-C) ou destruição do seu cartucho. O Neo-C (Neo-Catolicismo) é uma religião que sustenta a crença de que os seres humanos não devem ser trazidos de volta à vida após a morte.

Alguns podem fazer uma confusão com a Reencarnação. Contudo ela não se encaixa aqui. A Reencarnação e um processo natural, misterioso, baseada na lei do Carma. É uma nova vivência, de fato, de uma mesma alma (você pode dizer até mesmo que a alma é o cartucho). Mas a antiga vida, no princípio da Reencarnação, foi deixada para trás (porém é sabido que lembranças podem ficar, assim como nos casos documentados de vidas anteriores). Para que a tecnologia usada em Altered Carbon chegasse um pouquinho perto do que considera-se Reencarnação, além da nova capa, todas as memórias deveriam ser apagadas, sobrando apenas os traços de personalidade, ou o que chamamos de essência.

O que é a Resolução 653?

A Resolução 653 é uma proposta legal que altera a lei para permitir que as vítimas de assassinatos possam ser ressuscitadas com o intuito de testemunharem contra os criminosos. Ela não possui nenhuma restrição quanto a religião.

Entretanto pela lei vigente, um Neo-C não pode ser ressuscitado para esse caso.

A 653 é de suma importância para a construção da história da série, pois Reileen (Dichen Lachman), a irmã de Takeshi, aproveita-se disso para fugir das acusações dos assassinatos ocorridos em seu bordel, o Head in the Clouds, onde os clientes podem matar os profissionais do sexo.

Seu artifício é o de mudar ilegalmente os códigos dos seus empregados para Neo-C para que não haja processos criminais que exijam a ressuscitação dos mesmos. 

Mas a 653, sem restrições, caminha para ser aprovada na ONU. Por isso ela resolve armar para o Matusa mais poderoso. Depois de ser drogado no Bordel, Laurens Bancrofts assassina uma jovem. Com isso, ele é chantageado para que barre a aprovação da 653.

Mas, cheio de culpa, Laurens se mata antes que seu cartucho completasse a atualização com as memórias do crime.

É desse ponto que começa Altered Carbon. 

Altered Carbon é um pós Blade Runner ou um Doctor Who Cyberpunk?

A comparações com Blade Runner são inevitáveis, principalmente pelo universo cyberpunk - a melancolia, mundo poluído e sujo contrastando com o colorido das luzes da alta tecnologia. Se você gosta de ligar obras anteriores à atuais, pode considerar o enredo da série como uma continuação de Blade Runner (1982) e Blade Runner 2049 (2017).

Cabe aqui dizer que a história das capas assemelha-se muito ao enredo de Doctor Who, pois, ao invés de termos apenas um Senhor do Tempo que troca de corpo de tempos em tempos, temos vários deles que, dependendo da condição financeira, podem optar pela capa que mais lhe agrada e mantê-la para sempre.

Quero morrer junto com meu corpo!

As questões éticas e de liberdades individuais também são um ponto forte dessa trama. Imagine morrer ou ser preso e seu corpo passar de pessoa para pessoa? Ou ficar com a mente presa em uma realidade virtual? Ou em um corpo sintético? Onde acaba a vida? Onde começa outra nova? O seu corpo não era você? Por que o Governo tem o direito sobre ele após o desligamento da sua consciência?

São essas questões um verdadeiro nó de marinheiro, pois todos temos um tipo de posicionamento a respeito. Só que qualquer uma dessas opiniões encontrará sempre uma contrapartida duríssima para reflexão. 

Por exemplo, se seu corpo é somente seu, então você escolhe o que fazer com ele - doar órgãos ou doar a capa. Entretanto se o conceito de posse for considerado uma vontade egoísta que fere o princípio de convivência igualitária em uma sociedade? E se uma vida for perdida por puro capricho alheio? São a Terra ou o Fogo mais importantes do que um semelhante? O Governo, que supostamente deve cuidar do bem estar dos cidadãos e protegê-los, não deve intervir nessa questão? 

Altamente complicado, não?

A série Altered Carbon teve Whitewashing?

O whitewashing, ou embranquecimento, significa substituir personagens fictícios ou históricos, de origem estrangeira, por atores norte-americanos ou de cor branca. 

Nesse caso, claro que não ocorreu isso na série. O próprio livro dá espaço para que um protagonista oriental seja, depois, um caucasiano. E o trabalho traz os dois, na vida passada e presente, dando espaço para as duas etnias. Aliás, uma coisa que Altered Carbon não pode ser acusada é de não ter diversidade. Todo o resto em torno dessa polêmica é intriga da oposição...

Afinal, por que diabos a série chama-se Carbono Alterado?

Nem os três livros e muito menos a série dão-nos uma resposta clara e objetiva, apenas alguns subentendimentos com frases que trazem essa expressão.

O que pode-se supor é que Carbono Alterado seja uma expressão para a própria capa que foi mudada para abrigar novamente uma vida, pois os seres humanos são constituídos por carbono e, nesse processo de reciclagem, essas cadeias precisam ser refeitas ou até mesmo modificadas. Quase um produto transgênico de hoje. 

Oh, Meu Deus, que mundo horrível esse...

Sim, por isso que temos um exemplo claríssimo de DISTOPIA.

As distopias são geralmente caracterizadas pelo totalitarismo, autoritarismo, por opressivo controle da sociedade e grande desigualdade social.


Fontes:


quinta-feira, 15 de março de 2018

Partidas & Reflexões - Uma carta de despedida para Ciência

Encerra-se aqui meu ciclo com o curso de Física. Faltam-me apenas as formalidades com a papelada do desligamento voluntário.

Bem, no começo desse blog, eu falava da minha paixão por Astronomia. Compartilhei minha alegria em passar para o curso de Física e também todos os dissabores que vieram depois e como a estrada foi penosa. É o famoso nadar e nadar e morrer na praia.

Entretanto a história é mais profunda e, talvez, sirva de alerta para quem pretende entrar neste universo ingrato e miserável de estudar Ciência no Brasil, pois ela não é feita só de pensamentos, teorias e experimentos, muito menos de ilusões com o Firmamento e as Abóbadas Estelares. É essencialmente composta por pessoas odiosas de todos os tipos, professores e professoras asquerosos (as), machistas, hipócritas e egocêntricos (as) e colegas de classe do mesmo feitio, mas em versão beta.

Estudar Física é uma boa alusão para a expressão cavar o próprio túmulo - ou você foge do algoz ou aceita a morte de todas as suas conquistas. Acredite, diante deles, esses monstros rotundos e infelizes, você é apenas um daqueles fardos que fica pedindo explicações e exercícios.

A Física não precisa de questionadores e exigências, precisa de máquinas submissas, de preferência, muito petizes, que não atormentem suplicando o modo de fazer e o desvendar do mistério - quem ousa entrar nesse lugar precisa, minimamente, sair de casa sabendo toda a Mecânica Clássica. E não tente aprendê-la na faculdade, finja que aprendeu ou terá sua cabeça guilhotinada logo mais.

E foi assim que aconteceu comigo.

Eis toda a história...

Os alunos de todos os cursos que passaram dos quatro anos tiveram suas matrículas canceladas pela minha agora ex-Instituição. Houve um tremendo pandemônio por causa disso devido a uma série de irregularidades e questionamentos e a Universidade, uma covarde, como qualquer órgão público brasileiro, jogou nas mãos do Colegiado de cada Departamento o destino dos alunos. Ao saber disso, muitos desistiram tão logo, pois é de conhecimento geral a forma como os professores de Física tratam seus discentes mais comuns.

Eu já pensava em sair e até expliquei isso em outros textos. Mas nunca acredita-se que a tempestade realmente virá.

Entreguei o meu processo para tentar cursar mais um período e dar uma nova chance a mim mesma, caso não aparecesse outro curso ou um trabalho (que já venho procurando). A Instituição deu a todos, de qualquer ano, o prazo de 2 anos para conclusão, mediante plano de estudos e aval dos professores do tão famigerado COLEGIADO.

Da Física, que mistura erroneamente Licenciatura e Bacharelado, 49 alunos tiveram suas matrículas canceladas, num total de 150 alunos. Isso mesmo, eu não digitei errado: no curso de Física, juntando Licenciatura e Bacharelado (meu caso), havia um total de 150 alunos ativos e de todos os anos que você possa presumir. Se você se perguntar o porquê do MEC já não ter fechado esse pequeno clã... Eu também faço-me o mesmo questionamento.

Desses 49, 12 apresentaram seus argumentos em forma de processo ao colegiado e 4 tiveram os seus, entre eles o meu, indeferidos.

Tudo bem... Você, leitor (a), deve pensar que  "Ela foi indeferida porque é de 2011 e todos os outros são mais antigos..."  Ah, não mesmo!

Desses 8 deferidos, três são de 2008. Imagine, a diferença de 2008 para 2011 são de 3 anos, praticamente um curso de qualquer área. Se um aluno de 2008, por menos cadeiras que ele possa ter, tem condições de voltar, já que ele estourou o tempo de conclusão em 6 anos, por que uma pessoa de 2011, ativa, que estourou o tempo de formar-se em 3 anos, não pode? Porque, repito, 4 semestres foram dados a todos.

Pois não é que verdades sobre esse mundo obscuro que cercava-me vieram à tona?

A notícia foi dada-me pelo coordenador do curso. Coloco aqui o que ele escreveu, na íntegra (recortes originais da conversa):


Esses mostressores, principalmente os que eu soube que tomaram conta do meu processo, não conhecem-me, praticamente. Se um ou dois deram aulas para mim, digo que foi muito. Neste caso... Como podem tomar uma decisão séria dessas? Baseados em quais fatos? Em históricos e números prejudicados por problemas de ordens diversas? Problemas esses que foram bem documentados e entregues.

Todavia nada supera a seguinte sentença:

QUE EU NÃO TERIA CONDIÇÕES DE VOLTAR COM TANTAS DISCIPLINAS DIFÍCEIS.

E eu concluo: ALEM DO MEU SONHO TER VIRADO PESADELO, OS PROFESSORES DUVIDAM DA MINHA CAPACIDADE. ALGUNS SERES QUE NUNCA SEQUER DERAM AULA PARA MIM NESSES SEIS ANOS. E COM O AVAL DO RESTANTE, ACHARAM QUE EU NÃO MEREÇO ESTAR ALI.


Claro, eu posso entrar novamente, fiz ENEM, tenho nota para isso, posso conseguir até mesmo por porte de diploma superior. Mas como continuar num curso que tem esse tipo de gente como professor? Uma coisa é você especular, saber por suposições... Outra bem diferente é alguém de dentro falar, melhor, escrever o que os professores acham de sua pessoa. Por que continuar a estudar com seres que pensam isso sobre seus alunos?

E eis a prova final de que eu não sou apenas alguém com o orgulho ferido - eu fui INJUSTIÇADA:

Olharam bem essa parte grifada? Então, é essa gente que não está nem aí para mim que formam os futuros da Ciência no meu estado. São essas pessoas que escolhem quem deve ficar e quem deve sair, como imperadores bufantes e maquiavélicos que fazem o famoso sinal para acabar com o gladiador na arena.

É uma melancólica história de um sonho bonito. Só que a vida é feita desses infortúnios, a minha até bem mais. É o que estava destinado e o que, de fato, aconteceu.

Meu balanço do curso de Física foi o pior. Dele eu não levo ninguém, não fiz amigos de verdade. Poderia dizer que é a diferença de idade... Eu sou bem mais velha que a maioria... Entretanto há muita falsidade e gente esperta, que fica em cima do muro o tempo todo, esperando uma boa oportunidade para se sobressair. Muita gente jovem extremamente astuta, que usa de todas as formas para passar e se formar. Muitas pessoas que diziam-se minhas amigas... E que depois descobri o mar de mentiras e deslealdade em que elas estavam metidas. Outras que vão e voltam... E eu, muitas vezes, sou ignorada. Não, não... Pensando bem, dessa forma não havia como continuar.

Sim, eu fui muito inocente, pois sou uma entusiasta de carteirinha. Cheguei com expectativas altas, achando que tinha encontrado o meu lugar e que todos falariam de Carl Sagan, nebulosas, filosofia de vida... Percebi que o curso de Contabilidade, ao menos, deixou-me com alguns amigos que sentem saudades de mim e dizem isso. De onde eu não queria é que eu construí algo, mesmo que pequeno.

Apesar do tempo que todos disseram que eu perdi... Penso...

É melhor a iconoclastia do que a adoração a falsos ídolos.

É melhor desvencilhar-me de uma relação falida e abusiva como essa.

Adeus, Física! Adeus, Ciência! 
Talvez em outra vida, eu consiga achar a sua real essência...

Deus, que eu não demore muito para reerguer meus olhos para as Constelações e a Astronomia.

E a minha vida segue!

terça-feira, 13 de março de 2018

Damnatio memoriae - a expulsão do paraíso

Expulsão do Paraíso
(La Cacciata dei Progenitori dall'Eden)
Masaccio
1425
Capela Brancacci
Igreja de Santa Maria del Carmine
Se eu fosse contar os dias de dissabor e tristezas, faltariam-me números precisos. Pois deles perdi a conta há tanto tempo que parece-me que estes fazem parte da minha própria essência.

Quase não saio mais de casa e pouco importa-me mais olhar o céu e as pessoas. O mundo se liquefez, o meu próprio, em algo tóxico e de um amargor insuportável.

Não sou uma pessoa de muita sorte, talvez, a mais azarada dentre alguns. Tudo o que eu toquei virou pó, perdeu o brilho, fragmentou-se em espelhos minúsculos que refletem as mil faces do revés constante.

É estranho conviver com as sombras e não ter o reconhecimento devido. Cresci em um ambiente onde para chegar-se a notoriedade e o respeito, o muito nunca será o suficiente e os fracassos e decepções, trilhas essenciais da vida, são considerados erros grosseiros, dignos de maldição.

Se antes eu era uma crianças esperançosa, sonhando com um mundo além das nuvens, mesmo sofrendo com as constantes perseguições, hoje tornei-me uma adulta desiludida, que não acredita nem mesmo nos enredos do amor utópico, que culpa-se por escapar da realidade, tão dolorida, ao invés de tornar-se uma cidadã digna, como toda a sociedade quer: uma funcionária pública, uma mulher com dinheiro, uma esposa e mãe. Esse alguém, tão distante de mim, é que tornaria-me respeitada, principalmente pela família, adorada por outros comuns, notada pelo meu entorno e adjacências.

Diante dos meus mais novos fracassos, não posso concluir o processo de restauração da minha alma. E assim sempre foi. Todos os dias puxam-me para o Inferno, não por quererem o meu mal, mas por não saberem como lidar com a minha difícil caminhada pela estrada do meu ser, esse que veste essa capa momentânea e que, em sua forma mais jovem, foi a desculpa perfeita para zombarias que refletem-se hoje em gotas rubis de memórias navalhantes.

Frente a esse cenário, pergunto-me se eu gostaria de morrer. E logo vem-me um não. O que é muito excêntrico. Todos que consideram-se um fardo para o mundo, um fardo para eles próprios, arquitetam planos para sair desse universo e ter uma segunda chance (porque todos, de acordo com minha própria crença, também têm outras chances, todadavia acabam trazendo suas dores antigas e os ferimentos físicos mortais em forma de mais sofrimento para a vida nova.).

Então... O que faz com que eu ainda queira viver?

E essa pergunta é respondida de diversas formas. E não espere que elas sejam lógicas ou poéticas.

Vem-me, neste instante, um caso recente. Uma conhecida entrou em depressão gravíssima e que quase custou-lhe a vida. Tudo ocasionado por um mestrado e por perseguições de professores. Coloquei-me em seu lugar e os únicos sentimentos que vieram-me foram o ódio e a vingança. Visualizei cenas de violência e no fim... Lá estava eu, possivelmente presa por assassinato.

Assim, o que motiva-me a continuar nesta vida não é a esperança moribunda, mas sim os sentimentos de cólera e fúria contra tudo e todos.

Porque pior do que a própria morte é o que vem depois dela: o infame damnatio memoriae.

E o que seria mais saboroso para os inimigos do que pisar em cima do cadáver do rival? O que seria mais refrescante do que beber as lágrimas derramadas antes dos instantes finais? É, o que posso imaginar, o mais próximo de presentear o diabo com a própria alma.

Se antigamente a Condenação da Memória era dada para traidores do Império Romano, essa vaga, atualmente, é ocupada pelos suicidas. Porque os familiares e amigos evitam falar sobre e evocar recordações e os detratores refestelam-se no mar dessa sentença vil.

Claro que nada disso afasta-me das possibilidades que vagueiam por aí. Só que meu orgulho ferido alimenta o meu espírito contra qualquer ato que possa ser o triunfo daqueles que eu gostaria de ver estatelados no chão, esmagados e exauridos pela consequência de suas próprias maldades.

Se minhas adorações de carne e osso foram obliteradas, todas as minhas oferendas, agora, dirigem-se a Nêmesis.